Nos últimos anos, grande parte da conversa em torno do setor automotivo global tem se centrado em dois tópicos quase contraditórios: a plena expansão de vendas de veículos elétricos (EV) e a contínua escassez de microchips/gargalos na cadeia de suprimentos que geram obstáculos ao crescimento do mercado expressivos o suficiente para que alguns líderes do setor temam que haja estagnação ou até mesmo reversão da aquisição de novos clientes durante anos. Isso é válido para motores de combustão interna (ICE) e para veículos movidos a eletricidade.
A divisão entre boas e más notícias é ainda mais grave quando se considera que, mesmo enfrentando desafios reais, o setor continua sendo um baluarte da economia mundial, empregando cerca de 14 milhões de pessoas e outros milhões a mais em setores relacionados. Representando 3% do PIB global, a indústria automotiva seria classificada como a 6a maior economia do mundo se fosse um país.
Entretanto, pouco tempo foi gasto analisando o panorama geral para avaliar o processo de fabricação em si e o modo como a adoção de uma estrutura de gerenciamento de instalações digitais poderia provar uma "carga elétrica" para um setor que se esforça para se tornar mais ágil em uma economia pós-COVID.
Conecte-se à promessa da Indústria 4.0 e à Internet das Coisas
O gerenciamento de instalações digitais envolve uma constelação de atualizações de tecnologia avançada. Não há bala de prata, não há panaceia. Mas há um tema abrangente: a eliminação dos silos das "ilhas digitais" que existem em todas as instalações automotivas, e como, pela democratização dos dados, essas informações podem ser compartilhadas e utilizadas por vários envolvidos em uma única plataforma digital. Afinal de contas, uma fábrica é essencialmente uma máquina de fazer cópias. E a tarefa do gerente da instalação é garantir que a copiadora funcione, considerando os pré-requisitos que lhe foram entregues, ou seja, os diferentes produtos, o projeto de produção, as máquinas disponíveis e os volumes de produção.
Ao incorporar uma estrutura de instalações digitais, uma fábrica automotiva pode permanecer repleta de dados, habilitada para construções inteligentes, flexível à demanda e às flutuações da cadeia de suprimentos, operando no mínimo de forma semiautônoma e com capacidade de autocorreção, além de sustentável em termos de impacto ambiental.
Indústria 4.0 (I4.0) é um termo que expressa essa transformação, com foco em softwares cada vez mais sofisticados, tecnologias de sensoriamento remoto baseadas em nuvem e a Internet das Coisas podem integrar melhor "pessoas, lugar e processo", segundo a Associação Internacional de Gerenciamento de Instalações (International Facilities Management Association, IFMA). Ao proporcionar uma fábrica automotiva digital, os gerentes de instalações podem esperar a concretização de muitos ganhos de eficiência, que incluem 20% de redução nos custos de energia e manutenção, redução de resíduos, novas formas de simplificar os tempos de decisão e maximizar a produtividade da mão de obra.
Os principais benefícios da digitalização de instalações automotivas
Uma fábrica automotiva com uma atualização das instalações digitais pode esperar os seguintes principais benefícios:
Mudança para equipamentos otimizados — Para os gerentes de equipamentos originais (OEMs), isso é essencial e explicita mudanças em vários horizontes paralelamente, como a manutenção de equipamentos existentes, programas de novos modelos de veículos, produção da unidade e uma nova perspectiva de plataforma. Muitas vezes, isso significa adquirir peças totalmente novas, novas máquinas e novas ferramentas. Embora seja verdade que a Tesla esteja desafiando esse modelo operacional, funcionando mais como empresa de software e menos como fabricante de automóveis, as fabricantes de veículos ICE tradicionais ainda precisarão melhorar sua agilidade de produção para atender às necessidades de preparação de novos modelos tradicionais. Uma instalação digital oferece ao gerente de instalações acesso instantâneo ao estoque, à documentação e ao histórico de equipamentos atuais. Essa é uma grande vantagem em relação aos desenhos tradicionais, permitindo um melhor planejamento do projeto e uma maior compreensão de como projetos sobrepostos afetam uns aos outros.
Conscientização do estoque e existência de um Plano B — Se a pandemia ensinou algo aos fabricantes de automóveis, é que a velha maneira de fazer negócios, mantendo apenas um pequeno excedente no local, combinando-o exatamente à demanda imediata do consumidor, nem sempre pode ser a mais eficiente. Antes da pandemia, enquanto esse modelo funcionava, as futuras interrupções na cadeia de suprimentos podiam ser atenuadas em parte por um suprimento imediato acessível. Imagine se houvesse um estoque global de silício extraído ou uma reserva de microchips. Se essa tivesse sido a realidade, o impacto dos atuais gargalos na cadeia de suprimentos teria sido reduzido. Mesmo agora, de acordo com um relatório de dezembro de 2021 da empresa de análises IHS Market, as montadoras americanas tinham apenas 10 dias de capacidade de produção, um forte indicador de como o estoque se tornou enxuto.
Maximização do uso do espaço — Conhecer o layout de uma instalação é fundamental caso seu projeto seja alterado, melhorado ou substituído para a construção de novos veículos. Da mesma forma, ter um diagrama de design digital imediatamente acessível também fornece um registro histórico de layouts anteriores, os quais podem ser difíceis de obter ou acessar quando essa informação estava tradicionalmente "escondida" (incorporada) em outro departamento. Pode até haver uma necessidade repentina de identificar funcionários que possam ler um diagrama 2D ou encontrar alguém que tenha o software certo para abrir um layout. Com a aceleração da aposentadoria da mão de obra nascida no Pós-guerra, os gerentes das instalações têm cada vez menos possibilidade de recorrer a um colega sênior e perguntar como um processo era realizado.
Criação de um "cérebro coletivo" — Nesse contexto das discussões sobre tecnologia, é importante não perder de vista o elemento humano de uma instalação digital. Melhorar a eficiência humana também é importante e isso pode ser alcançado por vários meios. Uma das formas mais fascinantes é como gêmeos digitais podem permitir que toda a equipe contribua para a identificação de futuras soluções. Ao compartilhar conhecimentos e insights, conversar de verdade com os colegas sobre um modelo 3D ou 2D compartilhado pode contribuir muito para a descoberta de novas inspirações. Embora seja positivo a Internet das Coisas permitir que os computadores "conversem" entre si, os gêmeos digitais podem fazer o mesmo para as pessoas. Além disso, um melhor planejamento significa menos obstáculos de surpresa e, por extensão, uma equipe menos estressada contrabalanceia planejamentos em atraso ou incompletos.
Impacto ambiental — Uma modelagem 2D e 3D incrivelmente precisa ajudará os gerentes de instalações a supervisionar a modificação dos edifícios existentes para atender às futuras exigências da regulamentações ambientais, sem mencionar as ambições internas de cidadania corporativa da própria empresa. Além disso, tais atualizações de instalações mais antigas serão essenciais em meio à construção de novas marcas na transição para EV. Seja a identificação do melhor local para instalar painéis solares no telhado de uma instalação ou o posicionamento correto de turbinas eólicas no local, a crescente tendência de adoção do "quilowatt limpo" também continuará a moldar a fábrica do futuro.
Gêmeos digitais geométricos para o resgate da "burocracia digital"
É fato que um dos desafios de viabilizar a fábrica automotiva do futuro é a possível sensação de desarticulação do gerenciamento de instalações digitais. Os OEMs e seus gerentes de instalações podem se ver um pouco sobrecarregados frente à concorrência de plataformas digitais concorrentes e à necessidade de lidar com uma série de terceiros fornecedores. Afinal, um conjunto confuso de "soluções" digitais começa a parecer menos uma medida de solução de problemas e mais um impacto nos processos se essas tecnologias aumentarem, em vez de diminuírem, a "burocracia digital".
Nesse caso, o conceito de gêmeos digitais geométricos pode resgatar a “burocracia digital”. Além de sua capacidade de criar uma réplica exata em 3D de um bem físico e fornecer feedback em tempo real sobre quaisquer mudanças detectadas, o grande valor de um gêmeo digital é que, uma vez implementado em um ambiente de fábrica, pode fornecer uma espécie de “elo perdido” para outras plataformas digitais. Com sua interface visual, um gêmeo digital atua como um denominador comum, unindo diferentes sistemas e conjuntos de dados, assegurando que todos os ativos digitais se relacionem com esse denominador para que todos possam interpretar e trabalhar com ele.
Se 90% das informações transmitidas ao cérebro são visuais, e o cérebro humano processa imagens 60 mil vezes mais rápido que o texto, imagine o que uma interface visual faria com o texto e com as informações baseadas em estrutura armazenadas em sistemas de gerenciamento de instalações já existentes?
A democratização dos dados
A capacidade de compartilhar, comentar e gerenciar enormes conjuntos de dados em qualquer parte do mundo é o que permite as externalidades positivas oriundas dessa forma de pensar em grupo. Não se trata de autoritarismo descontrolado, mas sim de criatividade capitalizada. E, tradicionalmente, é uma ferramenta de vantagem de gerenciamento de instalações, da qual muitos gerentes de instalações automotivas não conseguem extrair benefícios por completo.
Utilizando a captura da realidade 3D e a digitalização a laser como parte de um gêmeo digital geométrico, cada componente de uma instalação automotiva pode ser digitalizado pela captura de imagens de 360 graus, que são então recriadas em um espaço virtual, criando uma representação digital da infraestrutura física. Além disso, com máquinas de montagem automática e o próprio prédio equipado com tecnologia de sensores remotos, os gêmeos digitais tornam-se “documentos vivos”, documentos cuja precisão atualizada requer pouca ou nenhuma intervenção humana.
Para os gerentes de instalações, que geralmente são responsáveis por supervisionar várias instalações, as vantagens de utilizar a visualização de dados 3D, em vez do layout 2D desejado, são inestimáveis. Compartilhar dados precisos de captura de realidade em 3D em uma interface visual remotamente acessível facilita ainda mais o planejamento, replanejamento e a colaboração para mudanças rápidas e agrega especialistas de qualquer lugar do mundo.
Frente a todas as preocupações atuais sobre a escassez de chips e as deficiências na cadeia de suprimentos, nenhum desses problemas específicos durará para sempre. No entanto, isso não significa que não surgirão novos desafios nos próximos anos. Desastres naturais, instabilidade política, colapsos financeiros, guerra, problemas de engenharia ou contratempos de produção podem jogar um enorme balde de água fria nas cadeias de suprimentos globais.
Contudo, o aprendizado primordial é que ninguém mais pensa nos negócios como antes. Em vez do "novo normal", como alguns costumam chamar, outros especialistas descrevem o que acontecerá nos próximos anos como o "próximo normal". Nesse próximo normal, o valor da fábrica automotiva de gêmeos digitais só vai aumentar.
Como demonstrado pela Tesla, veículos elétricos construídos de forma especializada, com preços inteligentes e devidamente incentivados são atraentes para os consumidores. E as montadoras tradicionais, como a GM, a Ford e a Volkswagen, estão se comprometendo a seguir o exemplo. A Ford, por exemplo, já tem um novo EV na estrada, o Mustang Mach-E, e sua pickup F-150 Lightning e o furgão comercial E-Transit não estão muito atrás. Da mesma forma, a empresa está aumentando sua capacidade de produção e reciclagem de baterias de íons de lítio. Com alguma sorte, a Ford produzirá cerca de 600.000 EVs por ano até 2023. Embora isso seja de pouca monta comparado com a Tesla (60% de sua capacidade), é um ótimo começo.
O futuro nos aguarda
Para os gerentes de instalações e as fábricas automotivas totalmente digitais do futuro, os gêmeos digitais de última geração podem se mostrar altamente eficazes para descobrir até que ponto as fabricantes de automóveis tradicionais podem converter parte de suas fábricas de montagem em fabricação de EV sem a necessidade de construir mais fábricas e aumentar o uso de espaço físico e de carbono. A incorporação de peças intercambiáveis entre EVs e veículos ICE na mesma fábrica, em uma linha de montagem parcialmente compartilhada, será mais um marco no desejo de longa data do setor automotivo de ser a "peça do motor que move o mundo".
São inovações como esta que fazem os gerentes de instalações mais voltados para o futuro rejeitarem o pessimismo sobre os obstáculos ao crescimento do mercado de hoje, mas estão contando os dias até que a instalação digital do futuro finalmente chegue.
Como disse certa vez o General Dwight Eisenhower: "planos são inúteis, mas o planejamento é indispensável".
Caixa de chamada: Olhando no retrovisor
Ao investigar a gestão de instalações digitais para o ambiente automotivo, é útil identificar as muitas dificuldades que essa tecnologia resolve. Veja cinco vantagens do gêmeo digital e por que está se tornando rapidamente um eixo central na eliminação de silos de dados:
- Criação de uma interface visual compartilhada para assegurar a compreensão conjunta
- Representação em tempo real de dados precisos que superam os desafios da atualização de layouts 2D
- A capacidade de comparar instalações sem depender da memória individual ou do conhecimento institucional impreciso ou datado de outra pessoa
- Validação de novos projetos, conceitos, implementações no contexto de como um projeto realmente se parece
- Minimiza “surpresas” quando o gerente da instalação chega ao local da atividade de manutenção